O grande escândalo do bonde, conspiração ou boom do carro?
Com o século 20 passando por suas primeiras décadas, trens e bondes eram os reis do transporte. Pelo contrário, o carro foi apresentado como um novo meio, ao alcance de poucos. Olhando para trás, todos se perguntam, como o carro conseguiu derrubar o bonde?
A recente chegada do automóvel ao quadro de meios de transporte não parecia ameaçar o bonde. Em grandes e icônicas cidades como Los Angeles, o bonde era o meio mais utilizado pela população. Os americanos pareciam inclinar-se para o transporte público, cujas tarifas eram baratas no bolso dos cidadãos.
Tomando o caso específico de Los Angeles, as linhas de bonde da década de 1920 conectavam os principais centros urbanos, bem como as novas áreas de expansão das cidades. Tal foi a importância da ferrovia que 90% dos norte-americanos escolheram esse meio de transporte em suas viagens.
Porém, com a chegada dos anos 30, a tendência se inverteu e o carro acabaria destronando o bonde. Assim, a grande pergunta que muitos se fizeram ao olhar para trás foi. O que aconteceu com o bonde? Por que de repente se tornou uma mera memória do passado?
conspiração de monopólio
Uma série de movimentos realizados por várias empresas petrolíferas e automobilísticas chamou a atenção dos americanos. É o que ficou conhecido como o grande escândalo do bonde. E é que, procurando eliminar a concorrência e tentando ganhar o monopólio do transporte, essas empresas compraram trens e bondes para colocá-los fora de serviço. Para isso, os ônibus seriam responsáveis por substituir o transporte ferroviário.
Mas como as companhias de petróleo e a indústria automobilística colocaram o bonde fora de ação? Alguns argumentam que empresas renomadas como Firestone, General Motors e Standard Oil uniram forças para criar outra empresa chamada NCL (National City Lines).
De acordo com essa tese, ao neutralizar o bonde, a General Motors, como grande fabricante de automóveis, estaria em posição de força, enquanto a Firestone se beneficiaria de um aumento nas vendas de pneus. Não esqueçamos também a Standard Oil, pois a gasolina era essencial para o funcionamento dos automóveis. Em outras palavras, a Standard Oil e a Firestone, como fabricantes de bens complementares ao automóvel, se beneficiariam com a ascensão dos carros e ônibus.
No entanto, há uma grande controvérsia em relação ao chamado grande escândalo do bonde. Perante a ideia de uma conspiração das empresas automobilísticas e petrolíferas, há quem dê outras explicações para a queda do eléctrico.
O declínio do bonde
A chave é que depois de 1910, as empresas de bondes perceberam que era mais lucrativo vender energia para residências do que usá-la no negócio de bondes. Por outro lado, o acidente de 29 teve um impacto devastador na economia dos EUA e, claro, causou estragos nas empresas de bondes. Assim, muitos estavam muito perto de falir. Isso fez com que o número de linhas e viagens oferecidas por dia fosse reduzido.
Com os Estados Unidos entrando na Grande Depressão na década de 1930, o serviço de bonde estava caindo em declínio progressivo. Os eventos pareciam deixar o automóvel como uma ótima alternativa.
O golpe de misericórdia para o bonde veio em 1935, pelas mãos do Wheeler Rayburn Act. Por meio dessa lei, pretendia-se alcançar uma maior regulação no mercado de energia elétrica. Portanto, o negócio de fornecimento de energia foi separado do negócio não lucrativo de bondes. Pouco depois, surgiram as National City Lines que, como indicado anteriormente, foram responsáveis pela substituição progressiva dos eléctricos por autocarros.
Ações judiciais e prevalência de automóveis
A briga entre o bonde e o carro não foi isenta de polêmicas e ações judiciais. Já em 1946, Edwin J. Quimby denunciava que havia uma conspiração da General Motors, Firestone, Standard Oil, Mack Trucks e Philips Petroleum para desmantelar o bonde e ganhar o monopólio do transporte. Também em 1974, o advogado Bradford Snell alegou perante o Comitê Judiciário do Senado dos Estados Unidos que a General Motors havia violado as leis de concorrência ao tentar alcançar uma posição de monopólio.
A confusão legal terminou com a General Motors e suas empresas associadas sendo condenadas por violar o Sherman Antitrust Act, um regulamento dos EUA que proibia monopólios. No entanto, a multa que a General Motors teve de pagar foi risível, pois foi de apenas US$ 5.000, uma quantia insignificante para uma grande empresa.
Apesar da condenação, há outros fatores que explicam a decolagem e expansão do automóvel. Entre os planos dos americanos estava a ideia de ter carro próprio, ao mesmo tempo em que ampliava a infraestrutura viária, tudo sem esquecer que o carro era considerado a melhor forma de chegar aos bairros periféricos.
Para além da polêmica entre a busca pelo monopólio ou o simples declínio do bonde, o grande escândalo dos bondes acabou chegando ao cinema, servindo de pano de fundo para o filme “Who Framed Roger Rabbit?”